Entrevista concedida por Renata Vilarinho, gerente executiva do CEMPRE, para a Agência Radioweb.
O que falta ao Brasil para avançar rumo à economia circular, falando especialmente de resíduos recicláveis?
Antes de tudo, precisamos ter consciência da importância de migrarmos do atual modelo de economia linear – baseada na lógica de extração, fabricação e descarte – para um modelo de economia circular, que busca, principalmente, a redução de desperdícios, levando em conta que essa mudança é o que irá garantir a preservação dos recursos naturais para as presentes e futuras gerações.
Nesse contexto, é essencial um conhecimento amplo do conceito de responsabilidade compartilhada pela gestão dos resíduos, previsto na PNRS. De maneira resumida, esse conceito guarda a ideia da necessidade de um esforço conjunto por parte da população, poder público e da indústria para aproveitamento adequado aos materiais e aumento dos índices de reciclagem. No caso da indústria, especificamente, a economia circular deve ser pensada desde a etapa da concepção do produto para que ele gere menos resíduo, ou para que esses produtos possuam um maior índice de reciclabilidade – a otimização do design de uma embalagem, por exemplo – sejam fabricados com materiais já reciclados ou reutilizados, ou que tenham a sua vida útil prolongada, por exemplo.
Num estágio mais avançado, podemos prever o incentivo a ecossistemas colaborativos entre os diversos ramos da indústria, privilegiando ações de complementariedade nos processos produtivos, visando a redução de desperdícios. Ou seja, os resíduos descartados por uma indústria podem servir de matéria-prima para outra, minimizando o descarte de “lixo” no meio ambiente e a extração de recursos naturais.
A população é um agente fundamental para o ciclo da reciclagem funcionar. Como conscientizar as pessoas?
Sem dúvidas, a conscientização da população é um elemento chave para aumento dos índices de reciclagem no país, uma vez que cada um de nós tem o poder (e a obrigação, por lei) de destinar de forma adequada o que não mais nos serve e que nós classificamos como resíduo – mas que, na verdade, tem um enorme potencial de retornar ao ciclo produtivo.
O estudo CEMPRE Review 2019 indica que 95% da população acredita que a coleta seletiva é um serviço importante, mas, infelizmente, ainda esbarramos em obstáculos como falta de tempo ou de conhecimento para fazer a separação dos resíduos, como também a falta de confiança nos serviços disponíveis. Precisamos melhorar esse índice e, para isso, as políticas de incentivo à economia circular, com campanhas de educação para o consumo consciente, para adoção de práticas de reciclagem, valorização dos resíduos como matéria-prima e de mobilização da comunidade são essenciais.
Segundo os dados recentemente divulgados pelo CEMPRE, o isolamento social trouxe impactos importantes inclusive para a coleta seletiva. O que mais chamou a atenção de vocês no último levantamento?
O levantamento foi realizado no período de 23/03 a 24/04, com 950 entidades, divididas em 21 estados e 504 munícipios, em todo o território nacional, com base nas instituições cadastradas no “Rota da Reciclagem”. É uma amostragem significativa!
A falta de uniformidade no serviço de coleta seletiva e reciclagem nas cinco regiões do país é algo que salta aos olhos e ficou ainda mais evidente durante a crise. As regiões Sul e Sudeste concentram o maior número de cooperativas e tem o serviço de coleta seletiva mais estruturado, sendo urgente o fortalecimento desse tipo de iniciativa no Norte e Nordeste do país, a fim de que os resíduos recicláveis não sejam inadequadamente encaminhados para aterros ou lixões.
Com base no levantamento realizado, foi possível observar que a região Nordeste foi a que proporcionalmente apresentou maior impacto na coleta seletiva. Dos 67 municípios contatados e que possuem o serviço consolidado, apenas 1 manteve o serviço operando normalmente, o que representa 1,5% da coleta seletiva na região. Já a região Sul foi a quemanteve o maior índice do serviço de coleta seletiva operando normalmente (58,9 %), com 46 municípios em plena atividade.
Analisando os dados levantados na pesquisa, temos o seguinte cenário:
- 35,5% dos municípios não alteraram a programação da coleta seletiva;
- 26,3% reduziram a frota de caminhões e a frequência de entrega dos resíduos nas
- cooperativas;
- 24,9% dos municípios suspenderam temporariamente o serviço de coleta seletiva;
- 12,7% dos municípios avaliados não possuem o serviço de coleta seletiva
O CEMPRE reforça a importância da coleta seletiva para a gestão dos resíduos sólidos no Brasil, representando a primeira etapa após o descarte pela população, e constituindo uma relevante fonte de renda e trabalho para as cooperativas e associações de catadores de recicláveis.